Independente de onde são as nossas raízes, em algum momento, cedo ou tarde, estiveram nossos ancestrais sentados ao redor de um fogo. Fosse para cantar, celebrar, conversar, rezar, resolver desavenças ou simplesmente contemplar.
Em algum momento também estivemos conectados à terra, aos ciclos do planeta e suas estações, da lua, ciclos do plantio, das colheitas, das chuvas e das secas. Tais práticas nos colocavam em contato com a natureza, cientes que somos parte dela, despertando também um sentimento natural de coletividade, a raça humana. Uma extensão da vida no planeta que somente faz sentido quando em harmonia com todo esse contexto, mesmo em suas pequenas desarmonias.
A natureza e seus fenômenos fazem questão de sempre nos lembrar do grande mistério que ronda a vida e o universo, esse incessante gerador de beleza e energia, incessante gerador de sentido que contém tantas lições e metáforas que nos acalmam o coração. As árvores que, em sua maioria respeitando o espaço umas das outras, crescem para a luz, se desenvolvem, algumas dão flores e, finalmente, frutos. A beleza da flor que, no maior ato de doação e serviço, se torna fruto doce a ser desfrutado em troca da possibilidade de ter sua semente carregada para novos ares. As estações do ano que carregam cada uma sua lição, nos ensinando que a vida é feita em ciclos e que dessa regra não somos exceção, embora estejamos nos esquecendo cada vez mais desses preceitos básicos que fazem a vida florescer em harmonia.
Até que, finalmente, nos vemos enrolados em uma armadilha sem fim a separar-nos do todo. Começando pelo mais básico, a vida e a morte. Nascemos já dentro de hospitais padrão, em procedimentos padrões, retirados em série das barrigas de nossas mães, passamos as vidas sentados e condicionados a certos pontos de vista sobre o mundo e a realidade até chegarmos ao mercado de trabalho e, quando a morte finalmente chega, nossos corpos devem ser embalados nos mesmos caixotes de madeira com o mesmo ritual realizado em série.
Quando não tarde de mais, percebemos que poucas vezes paramos para olhar o céu, para desfrutar o mar, para ouvir as batidas de nossos próprios corações. Para desfrutarmos a complexidade do sabor de uma fruta, para olharmos realmente aos olhos uns dos outros, presentes. Mas fomos sim tomados pela solidão, por contas a serem pagas, pela tristeza de não fazer parte, de não caber no molde, de abafar o grande mistério pelo giro monótono e artificial das engrenagens metálicas. Falar do índio, em sua essência, é falar da simplicidade dos ciclos naturais da vida, é falar do presente que é a vida em sua presença.
Algo que une os povos originários de todo o planeta é o conceito de bem-viver. De estarmos em real harmonia com a natureza, nossa grande mãe e entre nós mesmos. De gerarmos abundância coletiva. Não só para os que estão a nosso redor e nossas famílias mas, uma vez que, como dizem os indígenas, somos todos parentes, gerar abundância e sentido para as próximas gerações sabendo que, num futuro próximo, seremos nós os ancestrais deles.
Patrick Belem